Democracia tupiniquim
Ontem
eu, você e outros milhares de brasileiros fomos às urnas para votarmos, ou como
dizem na TV: exercer nossa cidadania e
escolhermos nossos representantes. Sim, você viu bem, eu destaquei esse
clichê do cidadão pseudoconsciente, do cidadão que esforça para se passar por bem
informado, que posta críticas nas redes sociais aos políticos e à corrupção com
uma ira só comparável à de um pitbull mal amestrado (não, eu não perdi a fé nas
pessoas, eu só estou frustrado). Fui a urna votar e pela primeira vez em minha
vida tive vontade de fazer algo que em tempos passados tomado por um êxtase de
cidadania e consciência eleitoral (talvez um pseudoextase de uma pseudocidadania-consciente-eleitoral)
jurei jamais fazer: anular meu voto ou votar em branco para o cargo de
Presidente da República. Sim leitor, jamais imaginei que no auge do reinado das
redes sociais, onde a informação corre a velocidade da luz, presenciaria uma campanha
presidencial tão mesquinha, tão baixa e tão vil. Assisti o máximo de debates
que pude (acredito que assisti a todos os que foram transmitidos) e ao fim de
todos eles eu ia me deitar mais decepcionado do que quando liguei a TV. Nada
empolgante, nem uma única propostazinha solitária surgia no meio de todos
aqueles ataques pessoais, para dar às tenebrosas trevas de uma eleição presidencial
tomada por acusações e impropérios um fio de luz, uma réstia de esperança de
que tudo ainda não estava perdido.
No
último debate que assisti, transmitido pela Rede Globo, mais de uma vez conferi
se realmente tinha sintonizado a emissora correta, pois o debate mais parecia o
quadro do DNA exibido no Programa do Ratinho, cada participante acusava o outro
de ser pai da corrupção, da inflação, da estagnação econômica e de tudo o mais
que julgassem ser ruim o suficiente para atrapalhar a campanha do adversário.
Ninguém debatia propostas, pago um doce para o cidadão que conseguir me
apresentar uma proposta de qualquer um dos candidatos. Milhares de brasileiros
foram as urnas e assinaram uma procuração em branco para o candidato a
presidente em que votou, isso vale para todos, pois todos os candidatos caíram
no círculo vicioso das acusações e se eximiram de apresentar algum projeto para
o Brasil.
Decepcionado,
frustrado e não vislumbrando nenhuma perspectiva positiva para os próximos 4
anos, independente de quem vencesse o pleito, voltei para casa e fui dormir.
Acordei perto das 17 horas e fui acompanhar a apuração dos votos, quando o 2°
turno ficou comprovado pensei comigo: Talvez nem tudo esteja perdido, agora só
com dois candidatos é provável que o nível da disputa suba e se inicie um
debate de projetos. Nunca estive mais enganado! Hoje o que vi pelas redes
sociais foi uma disputa travada por militantes dos dois partidos cujos
candidatos disputam o 2° turno das eleições presidenciais, cada militância se
esforçando ao máximo para superar a rival em disseminar boatos e falsas
acusações. O cidadão que deveria militar por construir um país decente, com uma
política ética e responsável, se contenta em ser um pequeno elo na imensa rede
de calúnias e boatos, prestando um desserviço à democracia. O eleitor que tinha
por dever cobrar propostas e um projeto de cada presidenciável, se torna um
infame disseminador de mentiras, e o pior é que faz isso crendo estar agindo
como o mais consciente dos eleitores, raramente alguém posta uma calúnia sem
acusar os divergentes de ignorantes. Com a recente facilidade de acesso à
informação e ao conhecimento estamos vendo uma onda de pseudointelectuais, o
cidadão lê o horóscopo ou a fofoca das novelas e já se acha o intelectual, estufa
o peito e chama outras pessoas de idiotas ou ignorantes com a maior
naturalidade possível, como se fosse um fato inquestionável, principalmente aqueles
que pensam diferente dele. O militante do movimento político adversário se
torna alguém a ser massacrado, defendem a liberdade de pensamento enquanto
tentam mudar o ponto de vista de alguém na selvageria. E dão a isso o nome de
democracia.
Que
democracia é essa que estamos construindo em nosso país? Nossos pais e avós
suportaram prisões, torturas, marcharam debaixo de cassetetes para derrubar uma
ditadura e no fim nos tornamos isso, um monte de pseudo-cidadãos que senta numa
cadeira e “milita virtualmente” espalhando boatos, calúnias e mentiras na rede,
acreditando que vamos “acordar o gigante”. O gigante só acordará quando cada
brasileiro estiver desperto. Estamos construindo nossa própria democracia, uma
democracia tupiniquim, onde a paixão partidária fala mais alto que o
patriotismo, onde o cidadão só consegue enxergar os crimes cometidos com as
cores do partido adversário, intitulando de herói o ladrão que lhe rouba vestido
com a capa partidária simpatizante ou chamando de investimento a obra
superfaturada que seus correligionários realizam. Cada um se faz cego ao crime
cometido pelo partido que apoia, como se isso não estivesse prejudicando o país
onde ele vive e que deixará para seus filhos e netos.
Caro (e)leitor, ao
invés de compartilhar calúnias e boatos disseminados e disseminando-os pelas
redes sociais, cobre propostas e projetos para nosso país, cobre um debate de
ideias, comece cobrando do próprio candidato a quem você apoia, não vote só por
“afinidade”, vote por mudança. Não vamos reputar por bom candidato o que melhor
“bater” nos debates. Lembre-se: você não está escolhendo um lutador de
vale-tudo, você está escolhendo o político que vai construir, ou não, o país
dos seus filhos e netos. Prefira e exija um debate de propostas e não um show de calúnias. Não estou lançando
indiretas aos militantes do partido A ou B, estou me dirigindo a todos os
simpatizantes de ambos os partidos, pois na minha timeline estou vendo calúnias vindas das duas direções. Não percamos
essa oportunidade de discutir e rediscutir nosso país, senão perderemos mais 4
anos simplesmente porque assinamos uma folha em branco e entregamos nas mãos de
alguém no 2° turno. Precisamos acreditar na mudança e ela acontecerá quando
mudarmos nós mesmos.
0 Comentários