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A chuva


O tempo desabou...

Lá fora a chuva caía e me desanimava a enfrentá-la, já passava da meia noite e os últimos estudantes e trabalhadores se enfiavam nos últimos bares e cafés abertos até àquelas horas justamente por causa deles, potenciais fregueses na escura noite que agora se transformava em chuva.

A chuva não parecia disposta a cessar tão logo, havia já quase uma hora que caía em fartos pingos e não diminuíra nem por um instante, mas eu também não estava com vontade de ir embora tão logo, sentado numa banqueta e tomando um leite quente com café, permitia que meus pensamentos fossem levados pela grande enxurrada que passava pela rua bem na porta do café onde me abrigava.

Era tão encantador e calmo aquele momento que nem sei no que estava pensando ou mesmo se estava pensando. Sempre gostei muito da chuva e naquele momento me sentia presenteado pelos céus com aquele temporal. Não me preocupava que dali a poucas horas teria que estar de pé e ir para o trabalho, eu só via a chuva e era bom.

A cada momento entrava uma pessoa no café, geralmente ofegante e muito molhada, às vezes apenas com alguns pingos, e outras chegavam com um guarda chuva que provavelmente não fora suficiente para vencer a fúria das águas. O café estava quase cheio e aos poucos os desconhecidos que ali se encontraram começam a travar animados diálogos que geralmente começavam com alguém se lamentando por causa do transtorno que a chuva estava ocasionando. Um homem vestindo uma jaqueta de couro se aproxima de onde estou ele tem cabelos um pouco compridos e barba ruiva, apóia o cotovelo esquerdo sobre o balcão e fica alguns minutos olhando a chuva enquanto toma uma xícara de café depois diz um palavrão amaldiçoando a chuva, não gosto de ouvi-lo amaldiçoando a chuva, mas não digo nada a ele, sequer olho para ele, não gosto de pessoas que amaldiçoam a chuva, pois gosto da chuva, fico feliz quando vejo o homem de jaqueta de couro ir se sentar numa banqueta na ponta extrema do balcão.

Enquanto a chuva caía, a cidade estava parada, não se via carros e nem pessoas nas ruas, e as próprias ruas mais pareciam rios, pois estavam completamente alagadas. De repente, entra uma moça, com um guarda chuva pequeno nas mãos, era uma universitária e ela própria também era pequena, delicada e muito bela, dessas moças que quando você vê dá vontade de abraçar e proteger de todos os perigos e maldades do mundo, era de fato uma garota muito bela. Ela entrou e fechou seu pequeno guarda chuva com algum esforço e caminhou para perto de onde eu estava, colocou seus livros sobre o balcão e também pediu café com leite, então senti seu cheiro, ela exalava ternura. Quando o balconista lhe atendeu ela veio e se sentou na banqueta junto à mesa onde eu estava, de perto era mais bela do que realmente parecia, embora, a achasse muito bela, não tive coragem de falar com ela, já que sou muito tímido, e não posso negar que estava até um pouco desconfortável com a proximidade daquela jovem, mas era bom sentir seu cheiro.

Finalmente a chuva começa a dar sinais de que vai cessar, mas ainda chove, mas mesmo assim alguns se animam a irem embora, a jovem que está sentada ao meu lado olha para mim e me pergunta as horas, digo que já passa de uma da manhã, ela que diz está tarde e eu concordo, mas digo que não me importo com as horas, pois gosto da chuva, ela concorda comigo e me pergunta se também sou estudante, digo que trabalho num jornal e ela se surpreende, pois segundo ela, adora meus artigos. A partir de então ela não pára de falar, diz que é estudante de Direito e que trabalha num cartório no centro da cidade, veio do interior e mora com uma tia solteirona e que sonha poder ter um apartamento grande só para ela, embora reconheça que é um sonho para o futuro, já que não vai conseguir comprá-lo com o salário do cartório, me disse ainda que terminara com o namorado que tinha na sua cidade, pois ele implicara com o fato dela estudar na capital e ela não trocaria o sonho de seu pai, que era vê-la como advogada formada por homem nenhum.

A moça delicada parecia gostar de conversar e naquele momento eu gostava de ouvi-la, geralmente eu gosto de ouvir as pessoas, se não fosse jornalista, gostaria de ser psicólogo, daqueles que ouvem os problemas das pessoas, talvez quando eu ganhar mais eu estude psicologia. A moça me pergunta se gosto de ser colunista, digo que sim, pois posso dizer o que penso sem ter medo do que as pessoas vão dizer e nem me preocupar em dizer o que as pessoas gostam, mas que eu não gosto, ou seja, não preciso ser hipócrita, ela então quer saber se meu chefe não se incomodaria se eu escrevesse algo que ele e os leitores não gostassem, digo então que meu chefe, ou melhor, minha chefa é muito intelectual e respeita muito minhas opiniões e que ela fica muito contente quando os leitores enviam e-mails apoiando ou criticando um artigo.

A chuva finalmente cessa, na verdade já havia cessado há vários minutos, mas a moça não parava de conversar, pego minha pasta que está sobre a mesa, ela percebe minha intenção e pergunta onde moro, se despede ao descobrir que moramos em lugares opostos, mas antes promete que vai me mandar e-mails, agradeço e ela sai abraçada aos livros e um pouco encolhida, provavelmente por causa do frio, fico alguns minutos na porta olhando a rua molhada, olho as horas, já passavam das duas. Saio com uma mão no bolso e a outra segurando a pasta, caminho sem pressa, aspiro com força o ar fresco e sinto o cheiro da chuva. Estou feliz.

Eu gosto da chuva!

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